Rubens Onofre Nodari; Miguel Pedro Guerra
RESUMO
Este
trabalho aborda tópicos relacionados com plantas transgênicas,
também chamadas de Organismos Geneticamente Modificados, alimentos
derivados delas e segurança alimentar. As biotecnologias modernas são
ferramentas de grande potencial de reprogramação dos seres vivos.
Contudo, o maior problema na análise de risco destes organismos
gerados pela biotecnologia é que seus efeitos não podem ser previstos
em sua totalidade. Os riscos à saúde humana incluem aqueles
inesperados, alergias, toxicidade e intolerância. No ambiente, as
conseqüências são a transferência lateral de genes, a poluição
genética e os efeitos prejudiciais a organismos não-alvo. O princípio
da equivalência substancial, até agora utilizado, deveria ser
abandonado em favor de um cientificamente embasado. Com a aprovação
em janeiro de 2002 do Protocolo Internacional de Biossegurança, o
princípio da precaução foi estabelecido como básico e a rotulagem
tornou-se obrigatória. A percepção pública obriga empresas e
cientistas a um maior uso da ciência na análise de risco antes do
consumo destes alimentos.
INTRODUÇÃO
O
cultivo de plantas transgênicas, assim como o consumo humano e
animal de seus derivados, é um evento recente, revestindo-se de
interesses, impactos e conflitos múltiplos, constituindo um tema
sobre o qual predominam as discussões científicas, éticas, econômicas
e políticas nesta transição de século. Mundialmente há um debate
sobre os impactos dos Organismos Geneticamente Modificados (OGM) na
saúde humana e animal e no meio ambiente, e sobre uma possível
reformulação nos modelos de exploração agrícola em vigência no
mundo.
Considerando
a abrangência multidisci-plinar do assunto, este artigo procura
abordar e aprofundar alguns dos aspectos mais relevantes sobre o
tema, com ênfase sobre a segurança quanto ao uso alimentar dos
produtos transgênicos.
As
plantas transgênicas e seus produtos têm sido aceitos nos EUA, mas
rejeitados nos países da União Européia. No Brasil, a liberação para o
cultivo da soja transgênica e a posterior decisão judicial de
suspensão temporária desta liberação por ação impetrada pelo
Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC) e pelo Greenpeace, tendo o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) como litisconsorte,
acirraram a discussão em todos os setores da sociedade. Por isto, a
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) passou a assumir
importância fundamental no tocante aos cuidados necessários para a
análise e liberação de plantas transgênicas. O motivo maior desta
polêmica é a falta de dados científicos que permitam uma avaliação
conclusiva para a liberação comercial.
Está
prevista no artigo 19 da Convenção sobre a Diversidade Biológica
(CDB) a existência de um protocolo internacional sobre os OGM,
devidamente aprovado em janeiro de 2000, na Conferência de Partes,
realizada em Montreal. Em nível nacional, está também em debate o
aperfeiçoamento do arcabouço legal sobre o assunto como condição
importante para proporcionar clareza e eficácia ao sistema de
avaliação e gestão dos OGM.
A
transgenia é uma técnica que pode contribuir de forma significativa
para o melhoramento genético de plantas, visando a produção de
alimentos, fibras e óleos, como também a fabricação de fármacos e
outros produtos industriais (Nodari & Guerra, 2000). A competência
para desenvolver novas variedades ou produtos alimentícios é altamente
dependente de recursos humanos qualificados, de investimentos
substanciais no sistema de Ciência e Tecnologia (C&T), de domínio
de conhecimento científico e de disponibilidade de germoplasma,
requerendo, sobretudo, enfoque interdisciplinar. Contudo, o cultivo
de plantas transgênicas a campo e consumo requerem ainda análises de
risco.
Desta
forma, há uma série de desafios a serem superados para poder
usufruir os benefícios decorrentes do uso das biotecnologias
modernas. A pertinência da sua utilização é dependente de inúmeros
fatores, o que proporciona alta complexidade à sua definição. O
próprio exercício da discussão da implantação de uma tecnologia por
parte da sociedade, como está ocorrendo pela primeira vez na história
do Brasil, constitui um desafio.
Afirma-se
com frequência que o insumo mais importante para o novo milênio é o
conhecimento. As tecnologias decorrentes deste conhecimento poderão
acentuar assimetrias nas relações econômicas entre as nações, caso
não sejam estabelecidos mecanismos compensatórios e regulatórios.
BIOSSEGURANÇA
Biossegurança, na visão da Food and Agriculture Organization
(FAO) (Food..., 1999), significa o uso sadio e sustentável em termos
de meio ambiente de produtos biotecnológicos e suas aplicações para a
saúde humana, biodiversidade e sustentabilidade ambiental, como
suporte ao aumento da segurança alimentar global. Desta forma, normas
adequadas de biossegurança, análise de riscos de produtos
biotecnológicos, mecanismos e instrumentos de monitoramento e
rastreabilidade são necessários para assegurar que não haverá danos à
saúde humana e efeitos danosos ao meio ambiente. Os testes a serem
realizados, os protocolos mais apropriados, os termos de referência,
os instrumentos de fiscalização e monitoramento mais adequados estão
sendo desenvolvidos e discutidos.
Determinação de risco
O
impacto de um transgene no ambiente e na saúde humana deve ser
criteriosamente avaliado via análise de risco. "Risco é tecni-camente
a probabilidade de um evento danoso multiplicado pelo dano causado".
Então, se o dano é grande, mesmo uma baixa probabilidade pode
significar um risco inaceitável (Traavik, 1999).
Riscos à saúde humana
A
maioria das plantas transgênicas de primeira geração contém genes de
resistência a antibióticos. Qual a relação destes genes com a
saúde humana? Nos últimos 20 anos, surgiram mais de 30 doenças na
espécie humana (AIDS, ebola e hepatites, entre outras). Além disso,
houve o ressurgimento de doenças como a tuberculose, malária, cólera e
difteria com muito mais agressividade por parte dos microrganismos
patogênicos. Paralelamente, houve um decréscimo na eficiência dos
antibióticos. Na década de 40, um antibiótico tinha uma vida útil de
15 anos. Na década de 80, a vida útil passou para cinco anos, ou seja
três vezes menos. Segundo comprovam estudos, tanto a recombinação
como a transferência horizontal entre bactérias aceleraram a
disseminação contínua de regiões genômicas na natureza e, por isso,
também entre os organismos causadores de doenças. O mesmo pode
ocorrer com os genes de resistência a antibióticos (Ho et al.,
1998). É conhecido o exemplo da estreptomicina em suínos; após um
ano de aplicação nos animais (1983), genes de resistência a
estreptomicina estavam presentes nos plasmídeos de bactérias que
viviam na garganta e estômago dos suínos. Uma das implicações disto
é que, embora a freqüência de transformação e, conseqüente-mente, a
transferência horizontal em bactérias sejam extremamente baixas, os
genes de resistência a antibióticos inseridos em plantas transgênicas
poderão ser transferidos para bactérias humanas, constituindo-se um
risco a ser considerado.
Recentemente,
diversos casos de absorção de Ácido Desoxirribonucléico (DNA) por
células eucariotas foram registrados por Tappeser et al. (1999).
Conforme foi demonstrado, o DNA contido na alimentação de ratos
não era totalmente destruído no trato gastrintestinal poderia
alcançar a corrente sanguínea e ser temporariamente detectado nos
leucócitos ou células do fígado. Existem indícios de que o DNA
ingerido possa alcançar células de fetos de ratos, como foi mostrado
no mesmo estudo.
Um
segundo tipo de risco relaciona-se às reações adversas dos alimentos
derivados de OGM, os quais, de acordo com os efeitos, podem ser
classificados em dois grupos: alergênicos e intolerantes. Os
alimentos alergênicos causam a hipersensibilidade alérgica. O segundo
grupo responde por alterações fisiológicas, como reações metabólicas
anormais ou idiossincráticas e toxicidade, (Finardi, 1999). Existe
ainda uma série de outros riscos à saúde humana que devem ser
analisados com os protocolos adequados.
No caso da variedade transgênica Soja Roundup Ready,
os testes realizados não foram suficientes para discriminar as
possíveis variações nas 16 proteínas alergênicas presentes na soja.
Padgette et al. (1996) compararam os perfis protéicos de variedades transgênicas e não transgênicas de soja e observaram, in vitro, um aumento de 26,7% no teor do inibidor de tripsina, considerado alergênico.
No
ano de 2000, foram identificados nos Estados Unidos e em outros
países produtos alimentícios contendo derivados de uma variedade de
milho Bt liberada somente para consumo animal devido ao seu
potencial alergênico. Um Comitê Científico (SAP) atuando como parte
do Federal Insecticide, Fungicide, and Rodenticide Act (FIFRA), reunido pela Environmental Protection Agency
(EPA, EUA), analisando 34 casos, concluiu que entre 7 e 14 pessoas
provavelmente manifestaram reações alérgicas a alimentos contendo
derivados da variedade de milho Bt StarLink (Federal
Insecticide..., 2000). A comprovação definitiva dependeria da
identificação de anticorpos IgE nestas pessoas, resultante da
presença da toxina Cry9C produzida por este milho, bem como da
sensibilização de outras pessoas.
Como
o transgene confere novas caracte-rísticas, em geral pouco avaliadas
quanto aos seus impactos, ainda não foi gerada uma base de
conhecimento suficiente e adequado para abordar corretamente o
assunto. Contudo, existe a experiência com os agroquímicos liberados a
partir da Segunda Guerra Mundial para uso sem a realização de testes
adequados: só posteriormente alguns dos efeitos nefastos causados
por eles seriam conhecidos.
Neste
sentido, as liberações para o cultivo comercial de plantas
transgênicas devem ser precedidas por estudos nutricionais e
toxicológicos de longa duração. Esta cautela poderia evitar
conseqüências danosas, as quais eventualmente um produto pode vir a
apresentar, se liberado apressadamente. Tais estudos de longa duração
ainda não existem, nem mesmo nos Estados Unidos, que, reconhecendo o
fato, manifestaram a necessidade de fazê-los. A British Medical...
(1999), considerando a possibilidade de eventuais que possíveis
efeitos adversos das plantas transgênicas serem irreversíveis,
sugeriu o banimento dos genes de resistência a antibióticos, a
moratória de plantações comerciais e a melhoria da Vigilância
Sanitária.
Riscos ao meio ambiente
A
ameaça à diversidade biológica pode decorrer das propriedades
intrínsecas do OGM ou de sua potencial transferência a outras
espécies. A adição de novo genótipo em uma comunidade de plantas pode
proporcionar efeitos indesejáveis, como o deslocamento ou eliminação
de espécies não domesticadas, a exposição de espécies a novos
patógenos ou agentes tóxicos, a poluição genética, a erosão da
diversidade genética e a interrupção da reciclagem de nutrientes e
energia.
Entre
os riscos ambientais, a transferência vertical e a transferência
horizontal são muito importantes. Aquela refere-se ao acasalamento
sexual entre indivíduos da mesma espécie enquanto esta está
relacionada à transferência de DNA de uma espécie para outra,
aparentada ou não (Doebley, 1990; Wilson, 1990). Outros riscos
referem-se à ação direta destas novas proteínas sobre os componentes
do ecossistema, sejam organismos não-alvo ou outros como solo, rios
ou processos ecológicos.
O
Brasil é ainda berço de várias espécies cultivadas ou apresenta
regiões com alta variabilidade genética das populações crioulas ainda
em cultivo, situação que requer muita cautela. Como avaliar
adequadamente este tipo de risco é sem dúvida um grande desafio.
A
introdução em plantas de genes de resistência a insetos e a
herbicidas isolados de bactérias ou outras fontes levanta questões
relativas à probabilidade e às conseqüências de esses genes serem
transferidos pela polinização cruzada a espécies aparentadas,
principalmente plantas daninhas que competem com as variedades
cultivadas. Estas plantas daninhas se tonariam mais persistentes ou
invasivas naquele ambiente?
Cruzamentos
interespecíficos envolvendo plantas transgênicas resistentes a
herbicidas e plantas daninhas aparentadas já foram constatados com
canola, trigo, sorgo e beterraba (Arriola & Ellstrand, 1996;
Chèvre et al., 1997; Steven et al., 1999). No caso do
cruzamento entre canola e a mostarda silvestre, o número de sementes
da segunda geração do híbrido foi dez vezes maior em relação à
primeira. Nas gerações seguintes, as plantas produziram grande
quantidade de sementes viáveis contendo o gene de resistência ao
herbicida. Isto demonstra a possibilidade de transferência de genes
condicionadores dessa resistência ocorrer com maior intensidade e
facilidade do que se poderia supor. Este fato levou alguns países a
suspenderem temporariamente o cultivo de canola transgênica em seus
territórios.
Como
mencionado, a disseminação de genes também pode ser dar por
transferência horizontal. Exemplos deste tipo de evento são: 1) a
seqüência que faz parte do íntron de um gene mitocondrial teria sido
adquirida de um fungo e foi encontrada em 335 espécies de 48
diferentes gêneros (Cho et al., 1998); 2) genes humanos foram detectados em Mycobacterium tuberculosis
(a bactéria causadora da tuberculose) e genes de plantas foram
detectados em bactérias (Micro-bial..., 1999); e 3) foi observada a
transferência de genes de plantas transgênicas para plasmídeos de
bactérias de solo, possivelmente via recombinação homóloga (Nielsen et al., 2000). Trocas de material genético também podem ocorrer entre plantas e vírus (Greene & Allison, 1994).
Qual
a magnitude da contribuição da engenharia genética para a
transferência horizontal? Geralmente, as plantas transgênicas contêm
elementos mediadores da transformação in vitro e também da
transferência horizontal, como plasmídeos, transposons e vírus. Estas
plantas freqüentemente apresentam, na construção quimérica
introduzida, a origem de replicação, as seqüências de transferência,
os promotores fortes e os genes de resistência a antibióticos. Todos
estes elementos facilitam a recombinação e a transferência de genes.
Plasmídeos e vírus quiméricos estão sujeitos a instabilidades
estruturais, o que facilita também a recombinação. Na natureza, a
poluição com metais pesados pode ser um fator benéfico para a
transferência de genes. Como parte das seqüência introduzidas são
homólogas a muitos procariotos, a transferência de material genético
para os mesmos via recombinação é factível.
São
duas, então, as principais implicações. A primeira refere-se a
maior probabilidade de transferência horizontal de genes a partir de
plantas transgênicas, comparativamente às variedades tradicionais. A
segunda refere-se ao fato de que os genes com potencial de disseminação
podem dar vantagem seletiva aos organismos receptores, podendo vir a
alterar dramaticamente a dinâmica das populações e a paisagem.
A
determinação de riscos de plantas transgênicas resistentes a insetos
também é complexa. Não se conhece ainda profundamente o efeito sobre
insetos benéficos. Além disso, os poucos estudos sobre pássaros
ou outros animais cuja alimentação inclui insetos que se alimentam de
plantas transgênicas não são conclusivos. Um trabalho com amplo
impacto na comunidade científica relatou o efeito do pólen de milho
transgênico possuidor de um gene de Bacillus thuringiensis (Bt),
o qual que codifica para uma toxina que afeta vários insetos. A taxa
de mortalidade de lagartas da borboleta monarca atingiu 44% quando foi
adicionado pólen de milho Bt ao seu alimento natural.
Entretanto, todas as lagartas alimentadas com pólen de milho não
transgênico sobreviveram (Losey et al., 1999). Revisões sobre
os avanços científicos relacionados aos impactos de transgênicos no
meio ambiente e propostas de avaliação de riscos foram feitas por
Wolfenbarger & Phifer (2000) e Nodari & Guerra (2001).
Uma constatação inquestionável: os insetos hoje susceptíveis ao Bt
no futuro serão resistentes a ele. Resta saber em quanto tempo. Se
houver uma grande área plantada com variedades transgênicas
resistentes a um inseto, somente os espécimes com resistência
sobreviverão. O acasalamento entre estes insetos gerará progênies
recombinantes, as quais eventualmente apresentarão maior nível de
resistência. Após vários ciclos de recombinação, deverão aparecer
insetos resistentes ao gene Bt. O fato de a resistência da lagarta às formulações comerciais de Bt ser controlada por um gene parcialmente dominante (Huang et al., 1999) indica que rapidamente lagartas se tornarão prevalentes e, eventualmente, superpragas.
Com o aumento rápido da freqüência de insetos resistentes ao Bt, o uso atual de formulações comerciais à base de Bt
em lavouras orgânicas fica comprometido, como também o
desenvolvimento de produtos com este tipo de inseticida, considerado
muito menos tóxico que os demais.
A
rigor, nenhum dos pedidos de liberação comercial de produtos
transgênicos está acompanhado de um estudo de impacto ambiental.
Embora a matéria seja complexa, entende-se serem estes estudos
necessários, conforme determinam o artigo 225 da Constituição
Federal, a Lei Ambiental e a Resolução 237/97 do Conselho Nacional do
Meio Ambiente (CONAMA), o que não teria sido observado pela CTNBio.
Com base no artigo 225 da Constituição Federal, a sentença judicial
exarada pelo Juiz Antonio Prudente, em 1999, exige o Estudo de
Impacto Ambiental (EIA) acompanhado do Relatório de Impacto no Meio
Ambiente (RIMA) como condição indispensável para o plantio em escala
comercial da Soja RR, transgênica.
Não
bastasse isto, a CDB estabeleceu no Art. 14 (Avaliação de Impacto e
Minimização de Impactos Negativos) que cada Parte Contratante, na
medida do possível e conforme o caso, deve estabelecer procedimentos
relacionados à avaliação de impacto ambiental de projetos que possam
ter sensíveis efeitos negativos na diversidade biológica, a fim de
evitar ou minimizar tais efeitos e, conforme o caso, permitir a
participação pública nesses procedimentos.
Protocolo Internacional de Biossegurança
A
CDB estabeleceu o seguinte nos itens 3 e 4 do artigo 19: (3) As
Partes devem examinar a necessidade e as modalidades de um protocolo
que estabeleça procedimentos adequados, inclusive, em especial, a
concordância prévia fundamentada, no que respeita a transferência,
manipulação e utilização seguras de todo organismo vivo modificado
pela biotecnologia, que possa ter efeito negativo para a conservação e
utilização sustentável da diversidade biológica; e (4.) Cada Parte
Contratante deve proporcionar, diretamente ou por solicitação, a
qualquer pessoa física ou jurídica sob sua jurisdição provedora
dos organismos a que se refere o § 3 acima, à Parte Contratante em
que esses organismos devam ser introduzidos, todas as Informações
disponíveis sobre a utilização e as normas de segurança exigidas por
essa Parte Contratante para a manipulação desses organismos, bem como
todas as Informações disponíveis sobre os potenciais efeitos
negativos desses organismos específicos.
Nas
várias rodadas realizadas para negociar o referido Protocolo
Internacional de Biossegu-rança, duas posições praticamente
antagônicas se firmaram. De um lado estão os Estados Unidos e os
outros países do Grupo de Miami (Argentina, Austrália, Canadá, Chile e
Uruguai) e de outro lado, os demais países. Os primeiros (i) queriam
exportar commodities geneticamente modificadas (OGM e seus
derivados) como alimentos, fármacos e ração para animais sem
solicitar permissão aos países importadores e (ii) tornar o protocolo
um instrumento legal independente ou ligado à Organização Mundial do
Comércio. Os demais países queriam (i) avaliação de impacto
socioeconômico inserida na análise de impacto ambiental a ser
realizada previamente à liberação comercial, (ii) presença no o
protocolo de instrumentos de compensação em caso de acidentes de
transporte com OGM e (iii) ausência de conflitos com outros acordos
internacionais atualmente existentes. Alguns países, como os da
África, querem ainda que o protocolo assegure compensação financeira
em caso de impactos negativos na saúde humana ou danos ao ambiente.
Finalmente,
nesta última rodada, realizada em janeiro de 2000, na cidade de
Montreal, o Protocolo Internacional de Biossegurança foi acordado. Os
dois principais pontos são: (i) o princípio da precaução deve ser
adotado em caso de dúvida ou falta de conhecimento científico e (ii)
os produtos transgênicos devem ser rotulados (art. 18a). O referido
protocolo tem cerca de 40 artigos e trata basicamente da movimentação
de transgênicos entre países, com atribuição de responsabilidades em
caso de danos. Ele dá garantias, ainda, ao país importador de
recusar o produto caso não esteja acompanhado de estudo de risco
adequado.
Um
terceiro aspecto, explicitado no artigo 15 e anexo II, impõe que a
análise de risco seja conduzida cientificamente pelo exportador. Na
ausência desta, os importadores podem se negar a receber os produtos.
Desta
forma, a adoção do princípio da precaução tem o objetivo de proteger a
vida. Este princípio foi estabelecido pelos gregos e significa ter
cuidado e estar ciente. Precaução relaciona-se com a associação
respeitosa e funcional do homem com a natureza; trata das ações
antecipatórias para proteger a saúde das pessoas e dos ecossistemas.
Precaução é um dos princípios norteadores das atividades humanas, mas
incorpora parte de outras ações como justiça, eqüidade, respeito,
senso comum e prevenção (Raffensperger e Tickner, 1999). Este
preceito está em acordos internacionais (Ex: Convenção sobre a
Diversidade Biológica), como um princípio ético, e implica que a
responsabilidade pelas futuras gerações e pelo meio ambiente deve ser
combinada com as necessidades antropocêntricas do presente.
ROTULAGEM E EQUIVALÊNCIA SUBSTANCIAL
A
rotulagem dos alimentos está prevista no Código de Defesa do
Consumidor (Lei nº 8.078, de 11/09/90 _ art. 6º, III e art. 8º).
Trata-se de uma norma para garantir ao cidadão a informação sobre um
produto, permitindo-lhe o direito de escolha. Além disso, ela
possibilita a rastreabilidade, pois, em casos de efeitos na saúde
humana, os produtos rotulados seriam facilmente identificados e
recolhidos.
No
Brasil, a fiscalização sobre a rotulagem está a cargo da Vigilância
Sanitária. Contudo, a decisão e mesmo o conteúdo e outras
caracte-rísticas do rótulo estão no âmbito do Ministério da Justiça.
O IDEC está representando os consumidores nesta rodada de negociações
e fez sugestões para aparecer no rótulo não só a expressão
"produto transgênico", mas também a característica e o nome do
organismo doador do gene. É esperado ainda que o país normatize em
breve a rotulagem dos produtos transgênicos ou que contenham
ingredientes derivados de OGM.
Internacionalmente, existe um Grupo de Trabalho de Rotulagem que foi
encarregado de preparar uma versão preliminar a ser discutida na
reunião do Codex Alimentarius. Levando-se em consideração o
ocorrido na Conferência de Partes da CDB, pode ser que, as normas
internacionais de rotulagem dos alimentos transgênicos ou com
ingredientes de OGM, sejam aprovadas em uma das próximas reuniões do Codex.
As
plantas transgênicas, aprovadas para o cultivo comercial nos EUA,
tiveram sua liberação baseada no princípio da equivalência
substancial. Assim, a soja RR foi considerada "equivalente" à sua
antecedente natural, a soja convencional, porque não difere desta nos
aspectos cor, textura, teor de óleo, composição e teor de
aminoácidos essenciais e em nenhuma outra qualidade bioquímica. Desta
forma, não foram submetidas à rotulagem pela agência americana Food and Drug Administration (FDA) encarregada de sua liberação.
Este
conceito de equivalência substancial tem sido alvo de críticas,
porque, entre outras razões a falta de critérios mais rigorosos pode
ser útil à indústria, mas é inaceitável do ponto de vista do
consumidor e da saúde pública (Millstone et al., 1999).
Equivalência significa dispor de igual valor ou outro atributo,
normalmente expresso em unidades ou parâmetros: um grama do produto Y
equivale a X energia. Ela se refere sempre à quantidade ou algo
mensurável a que corresponde um sentido tecnicamente comparável
(Momma, 1999). Há, portanto, dificuldades práticas no conceito de
equivalência entre plantas engenheiradas e naturais ou obtidas por
técnicas convencionais de melhoramento genético, pois a rigor,
genomicamente, elas não são equivalentes nem iguais. Só seriam iguais
se uma fosse originária da outra por multiplicação vegetativa ou
micropropagação. A construção genética inserida na planta contém
elementos bastante distintos daqueles naturais encontrados nela,
proporcionando novos produtos gênicos e podendo desencadear efeitos
pleiotrópicos substanciais, e não podem, por isso, ser considerados
desprezíveis.
Esta
estratégia (equivalência substancial) foi introduzida na década
passada para evitar que as indústrias tivessem custos maiores com
testes de longa duração, como ocorreu na área farmacológica. Quando
se utiliza a equivalência substancial, nenhum teste é requerido
para excluir a presença de toxinas prejudiciais, carcinogênicas e
mutagênicas. Este princípio é equivocado e deveria ser abandonado em
favor de testes biológicos, toxicológicos e imunológicos mais
aprofundados e eficazes (Guerra & Nodari, 2001). O procedimento em
si não tem base científica.
Desta
forma, o FDA exige apenas testes de curta duração com animais e
testes bioquímicos para avaliar, entre outros, aspectos a
alergenicidade. Esta insuficiência de dados, que não consegue
subsidiar cientificamente a análise da segurança alimentar, está
sendo questionada por várias organizações civis americanas.
SEGURANÇA ALIMENTAR, BIOÉTICA E PERCEPÇÃO PÚBLICA
Um
ano após a decisão de rotular produtos alimentícios originados de
plantas transgênicas, a Europa tomou importantes decisões. Áustria
e Luxemburgo desafiaram as ameaças de punição da União Européia e
mantiveram a decisão de banir os produtos transgênicos em seus
territórios. A Noruega proibiu o cultivo de qualquer planta transgênica
com genes marcadores que codifiquem para resistência a antibióticos.
Depois foi a vez da França, ao declarar uma moratória, a partir de
julho de 98, na aprovação de novos pedidos de liberação para cultivo
e consumo; esta decisão foi baseada no aconselhamento científico e
no princípio da precaução. A Grécia proibiu a importação e a
comercialização de variedades transgênicas de canola e estuda a
moratória. Em junho de 1999, Ministros do Meio Ambiente dos países
europeus decidiram, em reunião, que cada estado membro tem o direito
de solicitar estudos adicionais para a liberação de plantas
transgênicas. Isto na prática constitui uma moratória branca, pois,
dependendo do estudo, vários anos serão necessários para a obtenção
de dados.
Nestes
países, esta mudança de atitudes é resultante da constatação de
que a liberação de plantas transgênicas para cultivo e consumo foi
precipitada, diante da insuficiência de dados científicos sobre seus
efeitos na saúde humana e animal e também sobre seu impacto no meio
ambiente. De um lado houve o envolvimento de um pequeno número de
cientistas na tomada das decisões, as quais foram feitas por comitês,
sem uma representação adequada da sociedade. De outro lado, as
decisões foram prematuras, pois poucos estudos haviam sido feitos,
muitos deles totalmente inadequados. Com o envolvimento cada vez
maior de cientistas e da sociedade em geral, tanto na parte
experimental quanto nas discussões sobre o assunto, está surgindo uma
nova realidade, distinta daquela ainda apregoada pelas empresas
multinacionais.
Na
maior parte dos casos de liberação de plantas transgênicas
predominou o interesse comercial destas grandes empresas. Isto pode
ser comprovado pelas investidas freqüentes do governo americano junto
aos países europeus e Japão. Mais recentemente, devido às restrições
no comércio de alguns produtos transgênicos, algumas empresas
americanas estão decididas a segregar e rotular os produtos. O
consumidor se tornou um componente extremamente importante no
processo de liberação comercial destes produtos.
O
Dr. David Byrne, Comissário Europeu para a Saúde e Proteção do
Consumidor, em conferência proferida no dia 21/1/2000, no Simpósio
Biotecnologia _ Ciência e Impactos, apresentou um relato dos
principais aspectos relacionados com a segurança alimentar, os
impactos e a percepção pública dos OGM na Europa, resumido a seguir:
1)
Para o público europeu, segurança é o ingrediente mais importante
para o seu alimento e, além dos riscos e benefícios, questões éticas
e ambientais também são relevantes. A redução de custos, aspecto
sempre citado como vantagem competitiva dos OGM, pode ser uma forma
perigosa de comprometer a segurança dos alimentos. A superação da
controvérsia somente será possível assegurando-se plena transparência
na discussão sobre riscos e benefícios dos derivados dos OGM,
respeitando-se o direito do consumidor de ter informações claras para
poder tomar decisões sobre os produtos que ele deseja adquirir.
2)
Com relação à rotulagem, 86% dos europeus mostram-se favoráveis, por
permitir níveis adequados de informação, por possibilitar a
rastreabilidade dos produtos e por conferir responsabilidade civil,
baseando-se na pressuposição de que produtos considerados não seguros
não podem estar no mercado. Abordagem similar passou a ser empregada
no Japão, Coréia, Austrália e Nova Zelândia. Para os consumidores
destes países o controle sobre a qualidade e segurança dos alimentos é
obrigação do Estado. De forma geral, a percepção pública é de que
há uma associação entre aceitação pelo consumidor e controle
rigoroso e transparente dos OGM.
3)
Segundo Byrne (2000), os OGM são derivados de uma área nova da
aplicação das biotecnologias e, portanto, as autorizações para a
liberação comercial destes produtos devem ser limitadas no tempo,
monitoradas e revisadas à luz dos novos conhecimentos. Quando surge
nova informação científica, nova avaliação deve ser feita, baseada na
análise científica dos riscos (`science-based approach'). Nos
casos em que a evidência científica é insuficiente ou inconclusiva
e quando os riscos decorrentes forem inaceitáveis, deve-se invocar e
empregar o princípio da precaução. Para os consumidores europeus, a
indústria move-se rapidamente sem levar em consideração as
preocupações da sociedade, havendo uma clara distinção entre o
ceticismo dos consumidores e a postura dita triunfalista dos produtores
e da indústria.
4) Em resumo, para o consumidor e para as autoridades dos órgãos
regulatórios e fiscalizadores da União Européia, os OGM devem ser
seguros, a informação deve ser adequada, o monitoramento do ambiente e
da saúde deve ser cuidadoso, as autorizações de liberação
comercial devem ser limitadas no tempo, as preocupações dos consumidores
devem ser levadas em conta, estes devem ter livre escolha sobre os
produtos que desejam consumir (free-choice) e as indústrias e
parte dos cientistas devem mudar de atitude em relação à sua posição
de considerar as apreensões dos consumidores são irracionais e sem
fundamento.
Aerni et al.
(1999) publicaram os resultados de um estudo de caso sobre a
percepção ou aceitação pública em relação aos OGM nas Filipinas. A
aceitação pública significa a atitude dos indivíduos sobre aspectos
originados de inovações tecnológicas e depende da percepção
individual dos benefícios e riscos de uma tecnologia, dos valores
sociais, da confiança nas instituições que representam estas
tecnologias, das fontes de informação. Foram aplicados questionários e
realizadas entrevistas com funcionários de vários órgãos dos
governos relacionados ao tema, líderes Organizações
não-governamentais (ONGs), agricultores, religiosos, cientistas de
universidades, institutos de pesquisa, agências internacionais,
representantes da mídia e políticos.
Segundo
revelaram as tendências gerais resultantes desta pesquisa, para as
diferentes categorias a tecnologia em si não é motivo de preocupação e
a transgenia é uma nova ferramenta a ser aplicada em programas de
melhoramento. As principais preocupações manifestadas foram a
ineficiência do mercado e a implementação inadequada de normas de
biossegurança, questões que podem impedir a distribuição dos
benefícios e aumentar os riscos. Foram ainda levantadas dúvidas sobre
a sustentabilidade ecológica. Para o caso das Filipinas e sob o
prisma dos produtores de arroz, a transgenia de plantas não foi
considerada prioritária. Os principais problemas relatados na
produção de arroz foram as condições desfavoráveis de mercado, a
falta de irrigação, a falta de infra-estrutura de transporte e
armaze-namento e o serviço de extensão deficiente.
Com
relação aos diferentes grupos de percepção e ao peso político
correspondente no debate sobre o assunto, os resultados mostraram
que, para as ONG, a transgenia não apresenta potencial para a
agricultura e os riscos superam os benefícios. As ONG têm
considerável influência sobre a opinião pública, são ágeis na
obtenção e difusão da informação, mas não são consideradas
importantes para a decisão política. O segundo grupo, constituído por
políticos e funcionários graduados do governo foi considerado
influenciador de decisões políticas, das diretrizes regulamentadoras
do financiamento da pesquisa e, em menor escala, da opinião pública.
Este grupo manifestou elevadas expectativas sobre o potencial da
transgenia na agricultura e atitude ambivalente entre benefícios e
riscos; de acordo com ele, a técnica permite solucionar problemas que
não podem ser resolvidos pelo melhoramento convencional, mas há
dúvidas sobre sua sustentabilidade. Conforme revelou o terceiro
grupo, constituído por cientistas de universidades, institutos de
pesquisa e empresas privadas, os cientistas encontram-se distribuídos
entre os dois grupos anteriores. Este terceiro grupo demonstra uma
atitude positiva sobre a transgenia, assinalando, contudo, um
potencial mais modesto para a agricultura e entendendo que ela não
resolverá problemas estruturais e sim agronômicos pontuais; ele é
considerado como o mais impor-tante para o fluxo de informações,
exerce influência alta nas decisões políticas e baixa na opinião
pública e não tem acesso direto ao público e sim indireto, mediado
por ONG e pela mídia.
CONCLUSÃO
Finalizando, é pertinente lembrar o relatório da British Medical Association
(British..., 1999) sobre os impactos e riscos dos OGM. Nele
consta: "nada na vida é livre de riscos". Ao se julgar algo seguro,
estão sendo considerados apenas os limites aceitáveis de risco. A
melhor estratégia para lidar com possibilidades de danos ambientais,
quando se é confrontado com profundas incertezas, é agir
cautelosamente e desencadear programas sistemáticos de pesquisa para
aumentar a compreensão sobre o assunto. Esta abordagem é conhecida
como princípio da precaução, o qual deve ser aplicado para prever e
preparar a liberação de OGM e seus produtos na cadeia alimentar, até
que seus impactos na saúde e no meio ambiente sejam devidamente
avaliados no domínio público.