RESUMO
O
leite bovino é um alimento de grande importância com fonte de cálcio
e proteínas. O objetivo deste trabalho foi o de avaliar os efeitos
da radiação gama proveniente do 60Co sobre a
disponibilidade de cálcio e o aspecto sensorial. O leite utilizado
foi embalado em sacos para leite conforme o encontrado no comércio.
As amostras foram submetidas à radiação gama nas doses 0,1, 0,5, 1,0,
2,0 e 3,0 kGy e ficaram armazenadas a 4 °C, e suas avaliações
ocorreram nos 1º, 4º, 7º e 10º dias de armazenamento. Foi avaliado o
teor de cálcio e a composição centesimal do leite logo após sua
obtenção. A diálise de cálcio in vitro foi realizada nos diferentes
tempos de armazenamento. Nas duas doses, com pH mais estável na menor
dose de radiação e uma dose abaixo, 0,5 e 1,0 kGy, foi realizada
análise sensorial. A análise dos dados foi feita empregando teste de
Tukey (5%). Quanto à análise físico-química, as amostras irradiadas
melhoraram a disponibilidade do cálcio sendo a dose mais adequada a de
1 kGy devido a sua maior estabilidade do pH no período de 10 dias,
porém sensorialmente as amostras não foram bem aceitas.
Milk
is an important food because it is rich in calcium and proteins. The
objective of this research was to evaluate the effect of gamma
radiation from 60Co on the calcium availability and
sensorial aspects. The milk samples were packed in bags similar to
those used for commercial products. The samples were submitted to gamma
radiation at doses of 0.1, 0.5, 1.0, 2.0 and 3.0 kGy and stored at 4
°C with evaluations on the 1st, 4th, 7th, and 10th
days of storage. The calcium amount and centesimal composition were
evaluated at the beginning of the study. Calcium dialyzis in vitro
was performed at different times of storage. Sensorial analysis was
conducted on two doses with amore stable pH under the lowest
radiation dose and the second lowest radiation dose, 0.5 and 1.0 kGy,
respectively. Data analysis was conducted using the Tukey test (5%).
Physicochemical analysis showed an increase in calcium availability,
and the most adequate dose found was 1 kGy due to its highest pH
stability in the period of 10 days, but the sensorial analysis showed
that the samples were not well accepted by the testers.
1 Introdução
O
leite é um excelente alimento, pelo seu valor nutritivo, constituído
por proteínas, carboidratos, gorduras, sais minerais, vitaminas e
água (CAMPOS et al., 2003). Do ponto de vista de saúde pública, ocupa
lugar de destaque em nutrição humana, pois constitui um alimento
essencial para todas as idades, sendo que para o recém-nascido o
melhor leite é o leite materno (OLIVEIRA; FONSECA; GERMANO, 1999).
Dos
22 bilhões de litros de leite de vaca produzidos anualmente,
estima-se que oito bilhões venham do mercado informal. Os
agricultores familiares representam 52% da produção brasileira de
leite, 11,5 bilhões de litros de leite de vaca. Em número de
produtores, as unidades familiares somam 1,2 milhão num total de 1,8
milhão. Minas Gerais, Goiás, Rio Grande do Sul e Paraná são os
principais estados brasileiros produtores de leite bovino com uma
produção anual de 6,1 bilhões de litros, 2,4 bilhões, 2,3 bilhões e
1,9 bilhão, respectivamente (BRASIL, 2006; CARVALHO et al., 2005).
Por
ser rico em nutrientes é necessário assegurar sua qualidade
(SILVA et al., 2008), tanto do ponto de vista de saúde pública como
para aumentar a sua vida de prateleira. Vários são os métodos
disponíveis para as indústrias de alimentos que possibilitam o
aumento do seu tempo de conservação. A maioria deles, como por
exemplo, refrigeração, congelamento, desidratação, fermentação e
adição de conservantes, age prevenindo ou inibindo o crescimento dos
microrganismos. Outros, por outro lado, agem inativando os
microrganismos. Entre estes últimos, podem ser citadas a
pasteurização, a esterilização e a irradiação. Na irradiação, o
processo mais versátil é o que aplica a radiação ionizante
(ANDREWS et al., 1998). Esse processo faz com que o tempo de
conservação do produto seja aumentado.
No
Brasil, a Resolução RDC nº 21 de 26/01/2001 aprovou o "Regulamento
Técnico para a Irradiação de Alimentos" que permite a irradiação de
qualquer alimento com a condição de que a dose máxima absorvida seja
inferior àquela que comprometa as propriedades funcionais e/ou os
atributos sensoriais do alimento e que a dose mínima absorvida seja
suficiente para alcançar o objetivo pretendido (BRASIL, 2001).
A
irradiação é um método de pasteurização a frio (sem produção de
aquecimento) utilizado para controlar doenças de origem alimentar,
causadas por microrganismos patogênicos, parasitas, especialmente em
alimentos que são consumidos crus ou parcialmente processados
(LOAHARANU, 1997). Proporciona aos alimentos estabilidade nutritiva,
condições de sanidade e prolongamento do período de armazenamento
(ALMEIDA, 2006). Esse método de conservação apresenta característica
única de poder ser aplicada em alimentos congelados (FARKAS, 1998).
Há vários estudos que demonstram a irradiação como método para
aumento da conservação de alimentos (IEMMA et al., 1999; PIMENTEL;
WALDER, 2004; SILVA; SILVA; SPOTO, 2008).
Segundo
Byun et al. (2002), a quantidade de alergênicos intactos em uma
solução irradiada foi reduzida pela irradiação gama, dependendo da
dose. Estes resultados mostraram que os alergênicos tiveram
alterações estruturais pelo tratamento de radiação e que a tecnologia
de irradiação pode ser aplicada para reduzir a alergenicidade dos
alimentos.
Os
alimentos irradiados têm sido bem recebidos pelos consumidores nos
Estados Unidos da América (BRUHN, 1999), uma vez que o processo de
irradiação, sozinho ou combinado com outros processos, é eficiente
quando se deseja aumentar a segurança do alimento (FARKAS, 1998).
Há
grande variação individual na absorção de cálcio. É necessário
haver um suprimento constante de cálcio dietético biodisponível para
garantir a massa óssea máxima do programa genético individual
(COMISIÓN EUROPEA, 1998). A ingestão de cálcio a partir do
nascimento, principalmente na infância e juventude, aliada ao
exercício físico regular, é um fator de prevenção de uma posterior
desmineralização óssea (ULRICH et al., 1996).
O objetivo deste trabalho foi avaliar os efeitos da radiação gama proveniente do 60Co
sobre a disponibilidade do cálcio e verificar as alterações
sensoriais, sendo possível sugerir uma dose de radiação que torne o
produto adequado para o consumo humano.
2 Material e métodos
2.1 Matéria-prima
O
leite foi produzido por animais do Departamento de Zootecnia
ESALQ/USP, onde foi realizada a ordenha, e embalado em sacos para
leite imediatamente após esta e doado para a realização da pesquisa.
2.2 Preparo das amostras
A pesquisa foi realizada em duas etapas:
Primeira etapa
No mesmo dia da ordenha, o leite foi embalado e irradiado. E foram realizados os seguintes tratamentos:
• Amostra 1: leite integral;
• Amostra 2: leite integral irradiado com dose de 0,1 kGy;
• Amostra 3: leite integral irradiado com dose de 0,5 kGy;
• Amostra 4: leite integral irradiado com dose de 1,0 kGy;
• Amostra 5: leite integral irradiado com dose de 2,0 kGy; e
• Amostra 6: leite integral irradiado com dose de 3,0 kGy.
Após
sua obtenção, o produto ensacado foi colocado em caixas de isopor
com gelo, sendo separados 15 sacos para cada dose. Essas caixas foram
levadas ao irradiador tipo gammacell no Centro de Energia Nuclear na
Agricultura (CENA). Os sacos foram acondicionados em recipiente
adequado para colocação no irradiador, juntamente com gelo e tratados
com as doses de 0,1, 0,5, 1,0, 2,0 e 3,0 kGy de raios gama
provenientes do Cobalto-60. Em seguida, os sacos foram novamente
colocados em caixa com gelo e levados ao Departamento de Agroindústria,
Alimentos e Nutrição/ESALQ/USP, onde foram armazenados a 4 °C em
refrigerador marca Eletrolux tipo Frost Free até serem realizadas as análises nos diferentes tempos.
Para
cada dia de avaliação, eram utilizados 3 sacos de leite. As
avaliações foram realizadas no 1º, 4º, 7º e 10º dia, para as análises
de teor e disponibilidade de cálcio. O pH foi medido no 1º e no 10º
dia.
A composição centesimal foi avaliada somente no primeiro dia, com a finalidade de caracterização do material utilizado.
Segunda etapa
Realização
de análise sensorial do leite irradiado em duas doses de irradiação.
O leite irradiado com doses de 2,0 e 3,0 kGy não foi utilizado
por apresentar odor desagradável e não apresentar boa estabilidade,
como constatado nas análises e na manipulação. Entre as demais doses,
foi selecionada a dose que apresentou a melhor estabilidade de pH e
uma dose abaixo, para a realização da análise sensorial.
2.3 Composição centesimal
A análise de composição centesimal foi realizada para caracterização do leite logo após sua obtenção.
As análises químicas da matéria seca, cinza e proteínas foram realizadas de acordo com a metodologia descrita pela Association of Official Analytical Chemists (AOAC, 1995).
Os
lipídios foram analisados de acordo com a metodologia descrita por
Bligh e Dyer (1959), a qual consiste na extração de lipídios
utilizando clorofórmio, metanol e água destilada na primeira etapa, e
clorofórmio e sulfato de sódio 1,5% na segunda etapa.
Os
carboidratos totais foram obtidos por diferença entre o total (100%)
e a somatória dos demais componentes da fração centesimal.
2.4 Teor de cálcio
O
teor de cálcio foi determinado de acordo com o método descrito por
Sarruge e Haag (1974) com leitura em espectrofotômetro de absorção
atômica, modelo PERKIM-ELMER 3.110.
2.5 pH
A medida do pH foi realizada em pHmetro digital no 1º e no 10º dia após a ordenha.
2.6 Diálise de cálcio in vitro
A
análise da diálise do cálcio foi realizada segundo o método proposto
por Bosscher et al. (2000), o qual consiste na simulação da
digestão gastrointestinal utilizando solução de pepsina-HCl e solução
de pancreatina-sais de bile. A diálise foi realizada durante duas
horas com sacos de diálise contendo NaHCO3 1M, equivalente
à acidez titulável. O conteúdo do cálcio foi analisado através de
espectrofotometria de absorção atômica. E a disponibilidade do cálcio
foi calculada utilizando-se a Equação 1:
2.7 Análise sensorial
A
pesquisa, envolvendo seres humanos para a realização dos testes
sensoriais, foi previamente aprovada em 23/10/2006 pelo Comitê de
ética em pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade de
Campinas protocolo nº 111/2006, cumprindo assim a resolução 196/96 de
10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde e as demais resoluções
complementares.
O
método utilizado foi a Análise Descritiva Quantitativa (ADQ)
desenvolvida por Stone e Sidel (1993), que permite descrever as
principais características que compõem a aparência, aroma, textura e
sabor de um alimento, além de medir a intensidade das sensações
percebidas. A ADQ foi realizada em cabines individuais, com
utilização de iluminação natural.
Preparo e apresentação das amostras
Para
avaliação em relação ao aroma, sabor, textura, e aparência,
aproximadamente 30 mL de cada amostra foram servidos em copos de
vidro codificados com números de três dígitos (STONE; SIDEL, 1993).
Equipe sensorial
Dentre
os provadores, os que demonstraram ter interesse e aceitaram
participar do teste, não sendo fumantes e possuindo disponibilidade
de tempo para participar dos testes no período de realização da
análise sensorial, foram previamente selecionados através do emprego
de métodos analíticos de diferenciação para seleção de provadores
(STONE; SIDEL, 1993).
A
seleção foi feita mediante duas fases: teste de reconhe-cimento de
gostos básicos, teste de sensitividade para gosto doce. Foi pedido
aos provadores que não engolissem as amostras e lavassem a boca com
água entre as provas.
Foram
selecionados provadores que apresentaram 100% de acerto no teste de
reconhecimento de gostos básicos e provadores que tiveram acerto de
100% nos testes de sensitividade para gosto doce.
Teste de reconhecimento de gostos básicos
Foram
utilizadas soluções quimicamente puras de gostos básicos: doce (2,0%
sacarose), ácido (0,07% ácido cítrico), salgado (0,2% cloreto de
sódio) e amargo (0,07% cafeína) (STONE; SIDEL, 1993). Essas soluções
foram oferecidas aos provadores em copos plásticos descartáveis,
codificados com números de três dígitos e arranjados aleatoriamente
em bandejas. Cada provador recebeu as amostras em bandejas, copo com
água para limpeza da boca entre as avaliações e responderam ao teste
no computador, utilizando ficha igual a da Figura 1.
Teste de sensitividade para gosto doce
Empregando-se
a metodologia de teste Triangular (HELM; TROLLE, 1946; GARRUTI,
1976), foi verificada a capacidade dos provadores reconhecerem as
diferentes intensidades dos sabores com solução pouco doce de
concentração de 2% de sacarose e muito doce com concentração de 4% de
sacarose em água. As amostras foram servidas aleatoriamente em copos
descartáveis, codificados com três dígitos.
Cada
um dos provadores individualmente isolados em cabines apropriadas
receberam as amostras, copo com água para limpeza da boca entre as
avaliações e responderam ao teste no computador, utilizando a ficha (Figura 2).
Preparo e apresentação das amostras para análise sensorial
Foi
utilizado leite UHT irradiado a 1,0 kGy e não irradiado nos testes
de treinamento, e no teste final foi utilizado leite UHT como amostra
controle e leite integral irradiado a 0,5 e 1,0 kGy. A utilização do
leite UHT foi utilizada para a amostra controle para assegurar a
qualidade do leite a ser consumido pelos provadores.
Aproximadamente
30 mL de cada amostra foram servidos em copos de vidro, codificados
com números de três dígitos. Cada um dos provadores, individualmente
isolados em cabines apropriadas, receberam as amostras, copo com água
para limpeza da boca entre as avaliações e fizeram avaliação no
computador. Foram orientados a não engolirem as amostras durante o
procedimento.
Desenvolvimento de terminologia descritiva e treinamento dos provadores
Foi
utilizado o Método de Rede Kelly´s Repertory Grid Method (MOSKOWITZ,
1983) para a etapa de levantamento da terminologia descritiva. As
amostras (0 e 1,0 kGy) foram apresentadas aos pares, e os provadores
descreveram as similaridades e diferenças encontradas nas amostras de
cada par, quanto à aparência, odor, sabor e textura (Figura 3).
Após
as avaliações, sob a supervisão do líder da equipe sensorial, os
provadores discutiram os termos levantados, a fim de se eliminar
redundâncias, sinônimos ou termos pouco citados, selecionando-se de
forma consensual os termos que melhor descreviam as similaridades e
diferenças entre as amostras. Em consenso, a equipe auxiliou na
elaboração da lista de definição dos termos descritivos.
Durante
as sessões de treinamento, os provadores foram solicitados a avaliar
nas amostras de leite a intensidade de cada atributo sensorial
utilizando uma ficha de avaliação descritiva, na qual cada descritor
encontra-se associado a uma escala não estruturada de 9 cm, ancorada à
esquerda e à direita com termos de intensidade, pouco/muito. Cada
provador tinha à sua disposição a tabela com as definições dos termos
descritivos e as amostras de referência criadas para cada atributo
julgado.
A
seleção final dos provadores foi feita baseada na reprodutibilidade
dos resultados, poder discriminativo e concordância entre cada membro
da equipe. Nesta etapa, os 10 provadores pré-selecionados, todos do
sexo feminino, permaneceram na equipe.
Teste de ADQ
Os
testes de ADQ foram realizados em cabines individuais, pela manhã
(entre 8 e 11 horas) e pela tarde (entre 16h30 e 18 horas).
Foi
realizada a análise sensorial das amostras através de teste de
análise descritiva quantitativa (ADQ) para aparência, aroma, sabor e
textura. A pesquisa foi previamente aprovada por Comitê de ética em
pesquisa. Foram utilizados 10 provadores, adultos, com faixa etária
entre 19 e 24 anos, saudáveis, consumidores de leite bovino e que não
apresentem nenhuma reação ao consumo. Depois do treinamento, os
provadores analisaram quantitativamente cada atributo levantado
através de escala estruturada. Foi fornecida água para os provadores,
sendo permitida a ingestão em qualquer momento.
No
laboratório de análise sensorial com cabines individuais, os
provadores receberam as amostras servidas em copos transparentes de
200 mL. Foram apresentadas três amostras uma para cada tratamento -
controle (sem irradiação), 0,5 e 1,0 kGy -, que foram codificadas com
números de três dígitos escolhidos de forma aleatória pelo programa
Compusense Five (1998). Foi solicitado aos provadores que analisassem
cada uma das amostras, usando uma escala de nove pontos para todos
os atributos levantados.
2.8 Análise estatística
Todas
as análises foram realizadas em triplicata, sendo o delineamento
utilizado inteiramente ao acaso. Foi empregado o teste de Tukey para
diferença de média, considerando nível de significância de 5%. Todas
as análises estatísticas do teste sensorial foram realizadas nos
microcomputadores do laboratório de análise sensorial que utilizam o
programa Compusense Five para os dados obtidos da análise sensorial.
Para os dados das demais análises foi utilizando o programa
estatístico SAS (STATISTICAL..., 1999).
3 Resultados e Discussão
3.1 Composição centesimal
Na Tabela 1 podemos observar a composição centesimal e teor de cálcio do leite irradiado.
Com
o processo de irradiação ocorreu alteração na umidade provocando
diluição de todos os nutrientes avaliados. Provavelmente essa maior
presença de umidade ocorreu devido à liberação de maior quantidade de
água quimicamente ligada, pois, com o processo de irradiação, pode
ter ocorrido a liberação maior desse tipo de água que normalmente não
é quantificado pelo método de secagem em estufa a 105 °C,
ocasionando diferença significativa no teor de umidade das amostras. O
teor de umidade encontrado está de acordo com o apresentado por
Torres et al. (2000), que encontraram valor de umidade de 87% para
leite bovino e USDA (UNITED..., 2008) com o valor de 88,32%,
considerando o leite sem irradiação. Para cinza, os valores
encontrados (Tabela 1)
também estão de acordo com a literatura para leite sem irradiação
(TORRES et al., 2000; UNITED..., 2008). Foi observada alteração
significativa no teor de cinza (p < 0,05) devido ao maior teor de umidade da amostra irradiada com 3,0 kGy.
A análise de composição centesimal demonstra que houve diferença significativa no teor de proteína (Tabela 1).
O teor obtido está de acordo com os valores apresentados por outros
autores que analisaram leite bovino sem irradiação (TORRES et al.,
2000; ALVES et al., 2007; PEDROSO et al., 2007; PONSANO et al., 2007;
UNITED..., 2008) e acima do encontrado por Venturoso et al. (2007). O
teor de proteínas no leite pode variar de acordo com manejo (SÁ
FORTES et al., 2008), presença de mastite (CUNHA et al., 2008),
período do dia em que foi realizada a ordenha (REIS et al., 2007). A
alimentação não influencia no teor proteico do leite, porém diminui a
porcentagem de gordura quando a dieta apresenta maior teor de
gordura ou quando diminuída a proporção de forragem (OLIVEIRA et al.,
2007).
O teor de gordura para as amostras não irradiadas (Tabela 1)
está de acordo com os valores encontrados por Torres et al.
(2000); Sá Fortes et al. (2008); Cunha et al.( 2008); Pedroso et al.
(2007); Ponsano et al. (2007) e USDA (UNITED..., 2008) porém está
abaixo do determinado por Venturoso et al. (2007) e Alves et al.
(2007). O teor de gordura do leite é menor quando ordenhado pela
manhã (REIS et al., 2007), como ocorreu na coleta das amostras, cujo
leite foi ordenhado pela manhã e posteriormente ensacado e irradiado.
A legislação exige o mínimo de 3,0% de gordura para o leite cru e
pasteurizado (BRASIL, 2002). Em leite pasteurizado, no comércio,
ocorrem irregularidades em relação ao padrão estabelecido
(SILVA et al., 2008).
Guimarães et al.
(2006) também observaram diminuição do teor de gordura do leite
após irradiação com doses de até 4,0 kGy. Essas diferenças ocorrem
devido à modificação na estrutura molecular do leite. Urbain (1986)
afirma que mesmo em doses baixas há transformações de lipídios que
sofrem hidrólise e oxidação e de carboidratos que são transformados
em ácidos, cetonas e aldeídos.
O
teor de carboidratos no leite é baixo e o valor encontrado está de
acordo com o apresentado por Torres et al. (2000) e USDA (UNITED...,
2008).
O
teor de cálcio apresentou diferença significativa em relação às
amostras irradiadas devido à diluição. O teor de cálcio (Tabela 1) é similar ao apresentado pela USDA (UNITED..., 2008) que é de 113 mg.100 mL-1
e Nogueira e Canniatti-Brazaca (2008) que estudou leite integral e
desnatado tratados pelo processo UHT com valor de 127 e 146 mg.100 mL-1, respectivamente.
3.2 Disponibilidades de cálcio
Na Tabela 2 e Figura 4,
pode ser observada a disponibilidade de cálcio nos diferentes tempos
de armazenamento e em diferentes doses de irradiação do leite com 60Co.
No 10º dia não foram analisadas a amostra controle, 0,1 e 0,5 kGy,
pois estas se encontravam em processo de deterioração avançado.
As amostras irradiadas demonstram melhor disponibilidade de cálcio (Tabela 2),
indicando diferença significativa com o processo de irradiação. O
processo de irradiação pode ter propiciado a ligação do cálcio com
aminoácidos livres (HOZ; NETTO, 2008; BAUER et al., 2000;
CARROTTA et al., 2003), pois este pode ocasionar a quebra das cadeias
proteicas, aumentando o número de aminoácidos livres e peptídios que
podem ter se ligado ao cálcio aumentando sua disponibilidade
(GHANEM; HUSSEIN, 1999; CÁMARA-MARTOS; AMARO-LÓPEZ, 2002;
PERALES et al., 2005; ÜNAL; EL; KILIÇ, 2005).
No 4º dia de armazenamento, ocorreu aumento para a disponibilidade de cálcio (Figura 4)
em relação ao tempo inicial e, no 7º dia, diminuição seguida de
aumento no 10º dia. Essas variações podem ter ocorrido devido às
alterações químicas que ocorrem no leite durante o armazenamento
(AGNESE, 2002; SILVA et al., 2008).
Na Figura 4,
pode ser observado o comportamento da disponibilidade de cálcio no
período de 10 dias. Pode ser observado que a amostra que recebeu dose
de 0,5 kGy foi a que apresentou a maior disponibilidade de cálcio,
seguida pela de 0,1 kGy. A amostra controle foi a que apresentou a
menor disponibilidade.
Nogueira
e Canniatti-Brazaca (2008) encontraram disponibilidade de cálcio em
leite integral tratado pelo processo UHT de 19,28%, inferior aos
valores encontrados (Tabela 2).
Ünal, El e Kiliç (2005) encontraram valores semelhantes em leite
integral (25,87%). O processo utilizado para conservação foi o
processo UHT para o estudo de Nogueira e Canniatti-Brazaca (2008) e
refrigeração para o estudo, isso pode ter influenciado na diferença
da disponibilidade encontrada.
3.3 pH
O pH foi obtido através de leitura do pHmetro no 1º e no 10º dia.
O
pH baixo em leite está diretamente relacionado com deterioração, que
ocorre devido à proliferação de bactérias acidificantes. As
amostras controle, 0,1 e 0,5 kGy se encontravam em processo de
deterioração avançado no 10º dia (Tabela 3).
Leite
com pH inferior a 6,1 não suporta o processo térmico, pois não tem
estabilidade podendo coagular com o calor. Martins et al. (2008)
encontraram valores de pH para leite bovino de 5,6 a 6,8 para o leite
cru e de 5,9 a 6,8 para leite pasteurizado em amostras de leite
coletadas para controle de qualidade de leite.
A
diminuição do pH ocorreu devido à presença de maior quantidade de
microrganismos produzindo maior quantidade de ácido (TEIXEIRA;
FONSECA; MENEZES, 2007), principalmente no controle e nas amostras
submetidas às doses mais baixas de 0,1 e 0,5 kGy. A partir de 1,0
kGy, já não ocorreu acidificação pronunciada do pH, indicando que a
irradiação com doses maiores de 1,0 kGy são desejadas para a não
acidificação do leite até 10 dias de armazenamento.
3.4 Análise Descritiva Quantitativa (ADQ)
Após
ter sido levantada uma ampla lista de termos descritivos, chegou-se,
por consenso entre todos os provadores, a 16 descritores que
caracterizavam as amostras de leite (Tabela 4) e uma ficha de avaliação foi elaborada (Figura 5).
Terminologia descritiva
A
terminologia descritiva das amostras incluiu 4 atributos para
aparência, 4 para o aroma, 5 para o sabor e 3 para textura, cujas
definições encontram-se apresentadas na Tabela 4.
Aparência
A Tabela 5
demonstra que não houve diferença estatística (p < 0,05) nos
atributos: translúcido e opaco, já nos atributos brancura e aparência
característica o controle se diferenciou dos demais, indicando que a
irradiação afetou esses atributos.
No
processo de irradiação, ocorre aumento da taxa de oxidação de
óleos e gorduras, desta forma acarretando em alteração da cor e da
aparência característica do leite, tornando-o mais amarelado (ZEB;
AHMAD, 2004).
Aroma
Para todos os atributos relacionados ao aroma, houve diferença estatística entre a amostra controle e as demais (Tabela 6). A intensidade do odor e o odor desagradável diferiram (p <
0,05) entre o controle e a dose de 0,5 kGy. O odor adocicado e o
característico foram diferentes entre as amostras irradiadas e a
controle. Esses resultados demonstram que a irradiação do leite
apresentou efeito negativo em relação ao aroma, pois o controle
apresentou melhores resultados.
Segundo
Zeb e Ahmad (2004), a dificuldade principal na aplicação da radiação
de alta energia no alimento é o desenvolvimento de sabores e aromas
desagradáveis. A radiação ionizante afeta especialmente a qualidade
dos óleos e gorduras aumentando sua taxa de oxidação. Pode também
produzir espécies ativas como os radicais livres, que iniciam
determinadas reações químicas e resultam assim na rancidez de óleos
ou das gorduras. Quando o leite é irradiado, ocorre quebra de
compostos, formando o ácido butírico que altera o sabor e aroma do
leite (MARCHIONI, 2006). Há preocupação em minimizar os efeitos de
odores estranhos que aparecem após a irradiação de alimentos em
algumas doses (BASKER et al., 1986; MOSELY, 1990; MIYACGUSKU et al.,
2003).
Textura
Na Tabela 7,
são apresentados os dados para os atributos referentes à textura da
amostra controle, que se diferenciaram estatisticamente das demais.
Dentre as amostras irradiadas não houve diferença estatística (p >
0,05). Devido à quebra de moléculas promovidas pela irradiação, pode
ter ocorrido a alteração de textura tornando-o mais homogêneo e com
maior viscosidade e concentração. A gordura é o principal nutriente
que altera as características sensoriais do leite (FROST; DIJKSTERHUIS;
MARTENS, 2001).
Sabor
Para o sabor não houve diferença estatística entre as amostras (Tabela 8), com exceção da doçura que demonstra diferença entre as amostras irradiadas e a controle.
As
doses de irradiação ionizante utilizada no teste de ADQ não
alteraram a maior parte dos atributos de sabor, porém alteraram o
aroma do produto (Tabela 6 e 8).
Uma
das alterações indesejáveis da radiação é a rancificação
oxidativa que é ocasionada pela produção de radicais livres (HOBBS;
ROBERTS, 1998). Segundo Nawar (1983), a irradiação acelera os
processos autooxidativos de gorduras, pois facilita a ruptura de
hidroperóxidos, ocasionando a diminuição dos antioxidantes e,
consequentemente, a ação dos radicais livres, sendo os produtos com
alto teor de água e gordurosos os mais propensos. O leite possui
essas características, por isso a aplicação de irradiação em leite
tem sido limitada pela possibilidade de produção desses compostos
indesejáveis que comprometem os aspectos sensoriais.
4 Conclusões
A
irradiação promoveu alteração no teor de umidade, o que provocou
melhora sensorial na textura do produto irradiado. As condições de
qualidade do leite irradiado com doses de 1,0 kGy ou mais são
melhores. As amostras irradiadas apresentaram disponibilidade de
cálcio maior do que o controle. Considerando os resultados
encontrados, pode-se concluir que o processo de irradiação do leite
com dose de 1,0 kGy seria indicado, mesmo que algumas alterações
sensoriais de odor característico e adocicado sejam de menor aceitação.
Referências bibliográficas
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