Gordura de leite
Conforme Instrução Normativa n° 62, o leite cru deve manter seu teor original de gordura, sendo aceitável no mínimo 3% (BRASIL, 2011). Porém, os teores de gordura geralmente variam entre 3,5 a 6,0%, sendo que a maioria está na forma de triglicerídeos formados pela ligação de glicerol e ácidos graxos. Predominam os ácidos graxos de cadeia curta provenientes de unidades de ácido acético, derivadas da fermentação no rúmen (WATTIAUX, 2014).
O método do butirômetro para análise de gordura é amplamente utilizado pelos laboratórios de controle de qualidade de laticínios e segue as orientações da Instrução Normativa nº 68 de 2006 (BRASIL, 2006). Entretanto, o método do butirômetro de Gerber é considerado demorado, trabalhoso, com custo elevado e perigoso, visto que são utilizados reagentes corrosivos. Portanto, o equipamento de infravermelho é uma possibilidade atrativa, pois além da análise de gordura, pode-se desenvolver curvas para outras análises, é ágil na determinação dos resultados e preciso.
A espectroscopia no infravermelho mensura a absorção de diferentes frequências na região do infravermelho da amostra submetida à análise (BOUIS, 1997). Portanto, será apresentado abaixo parâmetros que podem ser utilizados para validação entre os métodos de análise, que têm o objetivo de confirmar a correlação entre os resultados.
Método de análise de gordura em leite
Neste caso, a análise a ser validada trata-se da determinação de gordura para leite cru, onde foi utilizado o método oficial (butirômetro) para proceder o ajuste na curva de gordura do equipamento de infravermelho e consequente validação.
O método de análise a ser validado é no equipamento Infravermelho com Transformada de Fourier (FTIR) modelo MilkoScan™ FT2 Milk application, da marca FOSS, o qual possui uma curva pré-desenvolvida pelo fabricante, composta por 1309 amostras de leite coletadas na Dinamarca, França, Alemanha, Holanda, Nova Zelândia e EUA. A calibração da curva do equipamento foi validada com 376 amostras de leite coletadas independentes nas mesmas regiões. Porém, o fabricante indica que a curva para cada análise seja validade com o leite da região onde o equipamento será utilizado. A faixa de medição para gordura é de 0,01 à 13,5%, exatidão de 0,024% e repetibilidade 0,004% no equipamento infravermelho.
Procedimento para validação da curva de análise
Foram coletadas 105 amostras aleatórias de leite de vaca in natura na Região do Vale do Taquari. As mesmas foram submetidas à análise de gordura no equipamento MilkoScan™ FT2 Milk application, na temperatura de 3 à 9°C, de um laticínios da mesma região. Posteriormente, as mesmas amostras foram enviadas para laboratório externo credenciado para análise de gordura por meio do método do butirômetro. Portanto, as amostras foram analisadas por meio dos dois métodos dentro do tempo máximo de 24 horas (o tempo e acondicionamento das amostras é importante, pois os parâmetros podem sofrer alteração). Os resultados obtidos no laboratório credenciado foram verificados por meio de laudos de análises oficiais.
Os testes de validação foram realizados utilizando o guia para validação de métodos analíticos e bioanalíticos, da Resolução da ANVISA n° 899 de 29 de maio de 2003.
1º teste – linearidade
O teste de linearidade é a capacidade de uma metodologia analítica demonstrar que os resultados obtidos são diretamente proporcionais à concentração do analito, dentro de um intervalo especificado. Para avaliar a linearidade utilizou-se amostras de leite in natura com diferentes concentrações de gordura que variaram de 3 a 5%. A correlação entre o sinal medido e a concentração do analito foi expressa por meio de uma curva analítica. Os coeficientes da curva analítica foram obtidos por meio do método de regressão linear, o qual gerou a equação y = ax +b, na qual y é a resposta analítica, x é concentração, a é coeficiente angular e b é o coeficiente linear. Além dos coeficientes de regressão (a e b), obteve-se o coeficiente de correlação (R2), que é um dos parâmetros que avalia a qualidade da curva analítica, pois quanto mais próximo de 1,0, menor é a dispersão das amostras e a incerteza dos coeficientes de regressão calculados (RIBANI et al., 2004).
Conforme a Figura 1, a curva de gordura apresentou boa linearidade na terceira etapa de validação (etapa c), após os ajustes realizados no equipamento de infravermelho, pois seu coeficiente de correlação foi de 0,9947.
Figura 1. Curva de calibração da gordura para leite in natura, nas etapas de validação.
2° teste - precisão intracorrida (repetibilidade)
A repetibilidade refere-se ao uso do método analítico dentro de mesmo laboratório em um curto período de tempo, com o mesmo analista e mesma instrumentação. Pode ser verificada por, no mínimo, nove determinações, contemplando três concentrações (baixa, média e alta) (BRASIL, 2003).
Conforme Tabela 1, foram realizadas 10 determinações de uma mesma amostra, contemplando diferentes concentrações de gordura. Obteve-se desvio padrão de 0,00%, o que demonstra que o equipamento é estável e possui ótima repetibilidade.
Tabela 1. Teste de repetibilidade por meio de dez determinações em três diferentes concentrações.
3° teste - precisão intercorrida (intermediária)
A precisão intermediária é a concordância entre os resultados do mesmo laboratório, mas obtidos em dias diferentes, com analistas e/ou equipamentos diferentes. O objetivo deste parâmetro de validação foi verificar se no mesmo laboratório, o método fornecia os mesmos resultados (BRASIL, 2003). Os analistas A, B e C receberam duas amostras de concentração 4,40 e 3,20% de gordura, as quais foram analisadas em dias distintos.
Conforme Tabela 2, os analistas A, B e C encontraram o mesmo teor de gordura para cada amostra, apresentando assim 0,00% de desvio padrão. Esses resultados comprovam que além do equipamento possuir uma ótima repetibilidade, também não sofre influência dos diferentes analistas, assim como, os analistas possuem capacitação técnica necessária para operar o equipamento, não gerando nenhum desvio durante as análises.
Tabela 2. Teste de precisão intercorrida entre analistas A, B e C, nos dias 1 e 2.
4° teste - precisão interlaboratorial (reprodutibilidade)
A reprodutibilidade consiste na concordância entre os resultados obtidos em laboratórios diferentes (BRASIL, 2003). Para calcular o desvio padrão utilizou-se o resultado da análise do laboratório externo credenciado, menos o resultado do equipamento infravermelho. Na 1ª etapa de validação foram avaliadas 105 amostras de leite in natura, que geraram o desvio padrão de -0,10, o qual foi utilizado para fazer um ajuste no equipamento. Na 2ª etapa de validação foram utilizadas 26 amostras de leitein natura que geraram o desvio padrão de 0,08, que somado ao desvio ajustado no equipamento, gerou um novo ajuste de -0,02. Para confirmação da validação foram utilizadas 10 amostras de leite in natura, que apresentaram desvio padrão de 0,02, o que foi considerado aceitável.
Por meio dos resultados observados na Tabela 3 é possível afirmar que a validação do equipamento infravermelho é simples, pois em apenas três etapas foi possível alcançar um desvio padrão aceitável e inferior ao desvio do método do butirômetro (0,05%). O número de amostras utilizadas neste processo de validação também não é significativamente alto, podendo a implantação do processo de validação ser realizada durante a rotina de um laboratório, sem acarretar aumento no volume de trabalho.
Tabela 3. Teste de precisão interlaboratorial para cada etapa da validação do equipamento infravermelho.
Desta forma, conclui-se que é necessário seguir as orientações do fabricante do equipamento de infravermelho, e adequar a curva da análise de gordura com amostras de leite da região onde ele será utilizado, pois como avaliado na pesquisa, a composição do leite bovino varia significativamente conforme a região, clima, raça, alimentação, entre outros fatores. Portanto, após ajustes na curva da análise de gordura, verificou-se que o equipamento de infravermelho da marca FOSS apresenta boa correlação com os resultados das análises do método oficial do butirômetro, pois os testes de linearidade e precisão apresentaram desvio aceitável.
Autoras do artigo:
Michele Fangmeier: Centro Universitário UNIVATES, Curso de Química Industrial - Lajeado/RS – Brasil.
Berenice Helfenstein: Centro Universitário UNIVATES, Curso de Química Industrial - Lajeado/RS – Brasil.
Eniz Conceição Oliveira: Centro Universitário UNIVATES, Doutora em Química. Professora Titular do Centro Universitário UNIVATES - Lajeado/RS.
Referências:
BRASIL. ANVISA. Guia para validação de métodos analíticos e bioanalíticos. Resolução n° 899 de 29 de maio de 2003.
BRASIL. Ministério da Agricultura e do Abastecimento. Secretaria de Defesa Agropecuária. Instrução Normativa n° 68 de 12 de dezembro de 2006. Oficializa Métodos Analíticos Oficiais Físico-Químicos, para controle de leite e produtos Lácteos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, 14 dez de 2006.
BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa nº 62, de 29 de dezembro de 2011. Aprovar o Regulamento Técnico de Produção, Identidade e Qualidade do Leite tipo A, o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Cru Refrigerado, o Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade de Leite Pasteurizado e o Regulamento Técnico da Coleta de Leite Cru Refrigerado e seu Transporte a Granel, em conformidade com os Anexos desta Instrução Normativa.
BOUIS, P. Qualitative optical spectroscopic methods. In: SETTLE, F. (Ed). Handbook of Instrumental techniques for analytical chemistry.p. 243-283. 1997.
FOSS. Manual FOSS Application Note 252d.
RIBANI, M. et al. Validação em métodos cromatográficos e eletroforéticos.Química Nova, v. 27, n. 5, p.771-780, 2004.
WATTIAUX, M. A. Composição do Leite e seu Valor Nutricional. Instituto Babcock para Pesquisa e Desenvolvimento da Pecuária Leiteira Internacional Universityof Wisconsin-Madison. 2014. Disponível em: < http://www.universidadedoleite.com.br/artigo-composicao-do-leite-e-seu-valor-nutricional> (Acessado em 10 dez. 2014).