RESUMO
O
Prato, queijo de pasta lavada, é um dos mais populares do Brasil e
deve ser maturado para atingir as características de sabor, aroma e
textura. O presente trabalho teve por objetivo estudar o efeito da
radiação gama no período de maturação do queijo Prato. Dois períodos
para a irradiação foram testados, no 1º dia e no 15º dia de
maturação. Os queijos Prato foram irradiados com as doses 0
(controle), 1, 2, 3 e 4kGy nos períodos citados, em irradiador de
cobalto-60 Gammabeam 650 da Atomic Energy do Canadá, com taxa de dose
0,9696kGy/h e armazenados a 10-12oC e ± 85% UR, por 60
dias. As análises físico-químicas e microbiológicas foram realizadas
de 15 em 15 dias até completar 60 dias de maturação. Através dos
resultados observou-se que, com o aumento da dose de radiação,
diminuiu a flora microbiana do queijo e, que a irradiação retardou a
maturação, conforme se aumentou a dose. Isto se deve provavelmente,
pela destruição das bactérias láticas.
1 – INTRODUÇÃO
O queijo é um alimento de alto valor nutritivo e sabor agradável, sendo bastante consumido. O consumo per capita de
queijo no Brasil teve um pequeno aumento durante a última década, de
1,97kg/habitante/ano em 1992 a 2,69kg/habitante/ano em 1999 [10].
Porém, comparando com outros países, como Argentina (11,59kg/hab/ano)
e Itália (19,57kg/hab/ano) ainda é baixo.
O
Prato é um queijo de massa semicozida, obtido pela coagulação do
leite por ação do coalho de origem bovina, seguido de prensagem para
eliminação do soro. A sua maturação é relativamente curta, em torno
de 45 a 60 dias, ao final da qual se apresenta com formato
paralelepipedal de crosta lisa e bem formada [19].
O
queijo Prato maturado, em média, é composto por: umidade (42-44%),
gordura (26-29%), sal (1,6-1,9%) [11], proteína (23-25%) [26] e seu
pH encontra-se no intervalo de (5,2 – 5,4) [11].
A
maturação de um queijo compreende um complexo fenômeno de reações,
onde se formam numerosos produtos, como peptídios, cetonas,
aminoácidos livres e ácidos graxos livres, que irão dar-lhe o sabor,
aroma e textura característicos [17]. O pH controla o tipo de
fermentação e a atividade das enzimas. Durante o período de maturação
ocorre um aumento do pH dos queijos, com conseqüentes aumentos da
atividade das proteases bacterianas e proteases naturais do leite
[12]. Segundo Furtado & Lourenço Neto [11] o queijo Prato
apresenta em média pH entre 5,2 – 5,4. No final da maturação
apresenta valores de pH entre 5,8 – 5,9 [26].
O
desenvolvimento das características de sabor, aroma e textura em
queijos de massa dura e semidura demanda um período de tempo longo, o
que implica num aumento do custo de produção e diminuição do capital
de giro disponível da empresa. Disso resulta o grande interesse em
se acelerar e poder controlar a maturação de queijos [5, 8]. O uso da
irradiação na preservação e maturação de queijos com o objetivo de
acelerar este processo vem sendo objeto de estudo em vários tipos de
queijos. A preservação de queijo por irradiação é possível até 2,0kGy
sem o aparecimento de sabores estranhos [27].
Estudos
com os queijos Roquefort feito com leite de vaca [9], Kareish
produzido com leite em pó desnatado reconstituído [7] e Ras produzido
a partir de leite fresco de vaca [13] foram irradiados com dose de
2,5kGy (0,25 Mrad) a uma taxa de dose de 1kGy/h, em fonte de cobalto-60.
Em todos os queijos houve uma diminuição da contagem microbiana
durante a maturação dos mesmos. A irradiação teve um ligeiro efeito
no conteúdo de umidade e pH.
Na fabricação de queijo Ras com leite irradiado com 5kGy observou-se
uma redução na contagem total de bactérias, esporos, eliminação de
coliformes e bactérias patogênicas. Este tratamento aumentou
ligeiramente a acidez e o valor de peróxido da gordura do leite,
devido à oxidação e, também estimulou a ação proteolítica e
lipolítica bacteriana durante a maturação. A radiação gama não
afetou a aparência do queijo, mas aumentou o corpo e a intensidade do
sabor [1].
Em estudo
com queijo Cheddar irradiado nas doses de 1; 2,5; 5 e 10kGy e
controle, concluiu-se que, em todas as doses usadas, a degradação dos
constituintes do leite foi mais lenta devido à destruição das
bactérias lácticas pela irradiação. Segundo o autor é possível que a
irradiação tenha destruído alguns sistemas de enzimas, o que
intensificou o sabor amargo dos queijos tratados [24]. Porém, os
queijos Gouda submetidos à irradiação com doses de 1,2 e 3,3kGy e
armazenados a 7ºC, por 3 meses, mostraram características de
maturação similares ao controle não irradiado [20].
O
presente trabalho teve por objetivo estudar o efeito da irradiação
na maturação do queijo Prato, analisando-o através das
características físico-químicas e microbiológicas.
2 – MATERIAL E MÉTODOS
Os
queijos Prato obtidos do Laticínio Argenzio (Casa Branca – SP), logo
após serem embalados a vácuo, antes de serem maturados, foram
transportados para o Laboratório de Irradiação de Alimentos e
Radioentomologia do CENA/USP, Piracicaba-SP. Foram irradiados com
doses de 0 (controle), 1, 2, 3 e 4kGy e controle no 1º dia de maturação
(ensaio A) e 15º dia de maturação (ensaio B) no irradiador de
cobalto-60 (Gammabeam 650 da Atomic Energy of Canadá) com taxa de dose
de 0,9696kGy/h e armazenados em câmara de maturação a 10-12ºC, com
Umidade Relativa em torno de 80%, por 60 dias. As análises
físico-químicas e microbiológicas foram feitas de 15 em 15 dias até
completar 60 dias de maturação. Os dados obtidos foram submetidos à
análise de variância conjunta [21] e tiveram continuidade através
da análise de regressão polinomial, quando o valor F foi significativo
ao nível de 5%.
Para
as análises físico-químicas, os queijos de cada tratamento foram
triturados e homogeneizados. O pH e a acidez (% ácido láctico) foram
determinados segundo LANARA [15]. Para a determinação de umidade foi
utilizada a balança marca OHAUS modelo MB 200, própria para
determinação de umidade, conforme metodologia da AOAC [3]. O teor de
gordura foi determinado pelo método volumétrico de Gerber
(Butirômetro especial para queijos), segundo as Normas do INSTITUTO
ADOLFO LUTZ [14].
A
quantidade de nitrogênio total nas amostras foi determinada, pelo
método de Kjeldahl segundo a AOAC [3]. O teor de nitrogênio solúvel e
de nitrogênio não protéico foram determinados como descrito por
SCHIMDT-HEBBEL [23]. O Índice de Maturação (I.M.) foi calculado
através da relação entre os conteúdos de nitrogênio solúvel (N.S.) e
nitrogênio total (N.T.), pela fórmula: I.M.= N.S./ N.T.x 100 e a
Profundidade da Maturação foi calculada através da relação entre o
conteúdo de nitrogênio não protéico (N.N.P) e nitrogênio total
(N.T.), pela fórmula: P.M.= NNP/ N.T x 100.
Para
se determinar o índice de peróxido, as amostras de queijo foram
submetidas à extração da fração lipídica a frio, segundo método
desenvolvido por Bligh & Dyer [4]. Após a separação da gordura,
foi determinado o índice de peróxido pela A.O.C.S. [2].
Foram
realizadas as análises microbiológicas de Contagem Total e Fungos e
Leveduras com incubação feita a 32°C, durante 48 horas. A contagem
foi realizada em contador de colônias tipo Quebec [3].
3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO
3.1 – Análises físico-químicas
Os
lotes de queijo Prato adquiridos do Laticínio Argenzio apresentaram
durante a maturação teor de gordura oscilando entre 15 e 24%, estando
abaixo dos valores encontrados por VALLE, DENDER & FIGUEIREDO
[25], a proteína total na matéria seca entre 23-25%, estando de
acordo com a literatura [16, 25] e umidade entre 42 a 45%, concordando
com a legislação e com os dados encontrados por FURTADO &
LOURENÇO NETO[11]. Com isto podemos observar que a irradiação não
alterou o teor de gordura, a proteína total e a umidade das amostras.
Nas Figuras 1 e 2 observa-se
que os valores do pH do ensaio A foram mais altos que do ensaio B,
este com valores mais próximos da literatura [11, 26]. Observa-se
ainda, (Figura 1)
que com o aumento da dose houve um ligeiro aumento do pH devido à
diminuição da flora microbiana responsável pela transformação de
lactose em ácido láctico. Na Figura 2 verifica-se
um aumento do pH durante a maturação, o que está de acordo com
MINUSSI, FURTADO & MOSQUIM [18] demonstrando uma boa capacidade
proteolítica, com liberação de compostos aminados, que tendem a
neutralizar a acidez natural da massa.
Através da Figura 3 observa-se
que o ensaio B apresentou valores de acidez maior que o ensaio A
concordando com os dados observados de pH, e que neste caso com o
aumento da dose houve uma queda na acidez.
Os valores de acidez (Figura 4)
aumentaram durante o período de maturação, discordando dos dados de
pH de VALLE [26]. Talvez este resultado seja reflexo da quebra de
gordura com liberação de ácidos graxos livres, como observado por
ABDEL BAKY et al. [12], e estes apresentaram um poder tampão que não
alterou o pH das amostras.
Na Tabela 1
estão os dados de proteína solúvel. Como se pode observar, nos dois
ensaios houve um aumento da proteína solúvel com a maturação.
LONQUE & ANTUNES [16] apresentaram resultados de 3,98% de
PS no 1º dia e 5,06% com 30 dias. Com o aumento da dose de
irradiação diminuiu o valor de proteína solúvel, concordando com os
dados de SCOTT [24].
Verifica-se (Tabela 2)
que, na maturação houve um aumento do NNP, indicando que ocorreu a
proteólise da caseína produzindo compostos de baixo peso molecular e
que, com o aumento da dose de irradiação diminuiu a porcentagem de
nitrogênio não protéico.
Um
elemento de grande importância na composição final e nas
características organolépticas do produto é o índice de maturação. O
acompanhamento destes dados num queijo permite conhecer o índice de
aproveitamento dos elementos do leite na coalhada, a atividade
proteolítica do coalho e fermento, bem como o momento ideal de venda.
O índice de maturação mostra o desdobramento do nitrogênio total em
formas de nitrogênio solúvel, devido à degradação das caseínas.
Pela
análise estatística conjunta, constatou-se que os queijos irradiados
diferiram do controle, mostrando que a irradiação, com as doses
aplicadas teve um efeito contrário na aceleração da maturação do
queijo Prato, como pode-se observar na Figura 5.
O índice de maturação decresceu conforme se aumentou a dose,
apresentando, portanto uma maturação mais lenta. SCOTT [24] encontrou
resultados semelhantes quando irradiou queijo Cheddar e concluiu
que, em todas as doses usadas, a degradação dos constituintes do
leite foi mais lenta devido à destruição das bactérias láticas
pela irradiação.
O
índice de maturação aumenta com o avanço da maturação, sendo que, a
variação deveria ser aproximadamente a seguinte: 4,2 após 2 dias de
maturação, 7,7 após 15 dias, 14,5 após 30 dias e 23,3 após 90 dias
[19]. Na Figura 6 pode-se
observar o aumento do índice de maturação com o transcorrer do
período, demonstrando que houve uma proteólise das proteínas do
leite, sendo que o ensaio A teve resultados semelhantes aos da
literatura citada [19] e o ensaio B resultados um pouco abaixo destes
valores. Durante o período de maturação ocorreu um aumento do pH dos
queijos com conseqüente aumento da atividade das proteases
bacterianas e proteases natural do leite [12]. Provavelmente, o
ensaio A teve uma proteólise maior que o ensaio B, devido ter
apresentado um pH (Figura 1) superior durante a maturação.
Os dados encontrados para o índice de maturação (Figura 6) estão dentro da faixa encontrada (13,60 a 22,20) em queijos Prato consumidos na cidade de São Paulo [22].
A
profundidade de maturação abrange as substâncias nitrogenadas de
baixo peso molecular acumuladas durante o processo. Compostos
característicos são os aminoácidos, oligo-peptídios, aminas, etc.
Na Figura 7
verifica-se que, com o aumento da dose de irradiação, diminuiu a
profundidade de maturação, demonstrando que a maturação foi mais
lenta com o aumento da dose, confirmando os dados do índice de
maturação. Já com o decorrer do período, a profundidade de maturação
aumentou (Figura 8)
e pelos resultados encontrados, verifica-se que os dados iniciais
estão de acordo com MINUSSI, FURTADO & MOSQUIM [18], entretanto
no final da maturação se apresentaram menores que os valores da
literatura citada.
Comparando
os resultados encontrados com a literatura, verifica-se que cada
tipo de queijo parece ter um comportamento diferente quanto à
irradiação, alguns são mais sensíveis ao aparecimento de sabores
estranhos que outros, assim como o efeito na maturação dos diversos
tipos de queijo tem um comportamento diferente.
Na
análise do índice de peróxido os resultados encontrados para todas
as doses nos períodos de 1, 30 e 60 dias de maturação foram zero,
demonstrando, portanto, que não foi observado a formação de peróxido
como detectado por ABDEL BAKY et al. [11].
Como
os queijos foram embalados a vácuo, não estando em contato direto
com oxigênio, mesmo que a irradiação tenha formado radicais livres
estes, pela pequena concentração de oxigênio disponível, não formaram
peróxidos. Segundo DIEHL [6] a irradiação na presença de oxigênio
aumenta a formação de hidroperóxidos. Quando a irradiação é feita
na ausência de oxigênio ou com atmosfera de nitrogênio, praticamente,
não há formação de hidroperóxidos.
3.2.1 – Contagem total
Os dados de contagem total nas diferentes doses estão na Figura 9.
Como se pode observar, com o aumento da dose de irradiação houve uma
diminuição na flora microbiana do queijo Prato em todos os períodos,
concordando com dados da literatura [9, 24]. O que se pode observar (Figura 10)
é que, com o decorrer da maturação, houve um acréscimo na contagem.
Provavelmente, os microrganismos sobreviventes se multiplicaram dando
esta diferença entre os períodos o que também foi observado por
VALLE [26] e IBRAHIM, EL-BATAWY & EWAIS [13].
3.2.2 – Contagem de fungos e leveduras
Na Tabela 3 estão
os dados de contagem de fungos e leveduras com as diferentes doses.
Como se pode observar a partir da dose 3kGy não houve crescimento de
fungos e leveduras, sendo que, com as doses 1 e 2kGy as contagens já
foram baixas, concordando com SCOTT [24].
4 – CONCLUSÕES
Após
análise do queijo Prato irradiado, durante a maturação, sob o ponto
de vista físico-químico, microbiológico e sensorial, pode-se concluir
que:
- a irradiação do queijo Prato provocou uma degradação mais lenta dos constituintes do leite, conforme se aumentou a dose, retardando, portanto a maturação. Também diminuiu a flora microbiana do produto em todas as doses, concluindo-se com isso, que a irradiação provocou uma diminuição das bactérias lácteas e isto retardou a maturação.
5 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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